domingo, 28 de agosto de 2011

Lamento do cais


I

Solo sagrado dos Tupinambás,
Que dourados ornavam os litorais.
Sabedores das infindas plagas verdejantes,
Mortificados clamam por forças mitigantes.

Vilas que outrora foram penosamente erguidas,
Uma cruz na nossa carne temos esculpida.
Esmorecem as asas da fé no negrume da imensidão.
Jazem as almas na gélida sepultura desta assolação.

Do celeiro usurpam as primícias,
A honra apedrejada na praça;
Coagem o povo com suas milícias.
Bebemos o fel nesta sórdida taça.

Cai sobre nós o manto da solitude,
As vorazes investidas do sortilégio nos empalidecem,
Quem restituirá a alva confinada aos sons do alaúde?
Quando haverá a rotura dos grilhões que ensandecem?


II

Fito o mar neste mísero cais,
Meu coração fenece em nefastos aís.
Trovejam pelejas mil,
O velho mundo do ideal servil.
  
Vós nascidos num longínquo continente,
Senhores do destino da Terra,
Que por uma pérfida ambição amaldiçoaram o presente,
Subestimando até os caprichos da deusa Hera.

O monarca inflama seus súditos com um discurso ardiloso:
Edificaremos um império portentoso!
Singram o Atlântico em colossais caravelas,
O Colonialismo diluindo as culturas mais belas.

Da milenar Índia – uma avidez pelas especiarias,
Da jovem América – um fascínio pelos minerais.
Saboreiam os lucros como fossem finas iguarias,
Opulência constituída por meios tão desleais.


III

Audazes pilotos seguiram as correntes descendentes,
Se afastando da mãe África rumo a uma obscura messe,
Foram esquadrinhar o quadrante oeste,
Para encontrar uma imensa terra com ilhas adjacentes.

Um alto monte sendo o primeiro sinal.
Pequenas serras e botelhos enriqueciam a costa,
E aves em revoada – a derradeira resposta.
O grandioso êxito da missão de Cabral.

Reunidos os mareantes na proa,
Disse: Bravos portugueses exultem a Coroa!
Sua glória se propaga pelas nações e pelo céu,
Servimos a Dom Manuel!
  
A hábil pena de Caminha descreve a descoberta,
Na metrópole um desumano edito desperta.
Nossa épica história ali se inicia,
A qual uma pungente lágrima propicia.


IV

Décadas se esvaíram velozmente,
Múltiplas etnias geraram uma rara miscigenação,
Veias onde circulam um sangue ardente,
Que dinamizam varões a morrerem pela sonhada libertação.

Expedições desbravam as inóspitas matas,
Minha pátria sendo maculada nas extremidades norte e sul,
Milhares dilacerados à crueza das chibatas,
E o deus dos brancos emudece no inacessível azul.

Insurretos erigem seu mítico estandarte,
Ébanos, indígenas e mestiços que desafiam o cativeiro.
A marcha impávida de um vulgacho guerreiro,
Voz ressentida ecoando por toda parte.

A resistência combate de forma varonil,
Despedaçam lanças e espadas pelos torrões,
Filhos sedentos são trancafiados em porões.
Boas novas adentrem pelos portais do meu Brasil!
  

V

Aportam na Bahia homens pálidos como o luar,
De tribos célticas e germânicas provêm,
Seus feitos extraordinários pelos séculos se mantêm.
A temida potência ultramar.

O maligno dominador afia suas garras,
Canhões estrondam por fatídicos meses,
Lusitanos fartos de soberba apertam as amarras,
Batem retirada os aventureiros holandeses.

Contudo, a aspiração não pode ser esquecida,
Eclode uma nova investida.
Com o auxílio do mameluco Calabar,
Tomam heroicamente Rio Formoso, Capibaribe e Itamaracá.

Instaurado um benéfico governo,
Floresce nas ruas a prosperidade,
Ciência e arte bailam em plena unidade,
A população inspira o eflúvio do hodierno.


VI

Sete anos de inteira refulgência,
Que de modo melancólico perde sua essência,
O venerável príncipe Nassau
Deixa-nos órfãos embarcando numa nau.

Estados antagonistas concebem uma taciturna aliança,
Pisoteando por definitivo o que sobrou da bonança.
Na batalha dos Guararapes fomos desbaratados;
Frondosos canaviais pelo despótico reino são arrestados.
  
Estou neste momento absorto...
Divinais lufadas transformarão este horizonte,
Um áureo sentimento jamais será morto,
Sobre o abismo estenderemos uma robusta ponte.

Levante a face aquele que abdicou do porvir.
Fortalece teu espírito, ó país envolto de excelência!
Porque um tempo de paz eterna há de vir,
Quando nobres rebentos hastearão a signa da independência!