domingo, 28 de agosto de 2011

Lamento do cais


I

Solo sagrado dos Tupinambás,
Que dourados ornavam os litorais.
Sabedores das infindas plagas verdejantes,
Mortificados clamam por forças mitigantes.

Vilas que outrora foram penosamente erguidas,
Uma cruz na nossa carne temos esculpida.
Esmorecem as asas da fé no negrume da imensidão.
Jazem as almas na gélida sepultura desta assolação.

Do celeiro usurpam as primícias,
A honra apedrejada na praça;
Coagem o povo com suas milícias.
Bebemos o fel nesta sórdida taça.

Cai sobre nós o manto da solitude,
As vorazes investidas do sortilégio nos empalidecem,
Quem restituirá a alva confinada aos sons do alaúde?
Quando haverá a rotura dos grilhões que ensandecem?


II

Fito o mar neste mísero cais,
Meu coração fenece em nefastos aís.
Trovejam pelejas mil,
O velho mundo do ideal servil.
  
Vós nascidos num longínquo continente,
Senhores do destino da Terra,
Que por uma pérfida ambição amaldiçoaram o presente,
Subestimando até os caprichos da deusa Hera.

O monarca inflama seus súditos com um discurso ardiloso:
Edificaremos um império portentoso!
Singram o Atlântico em colossais caravelas,
O Colonialismo diluindo as culturas mais belas.

Da milenar Índia – uma avidez pelas especiarias,
Da jovem América – um fascínio pelos minerais.
Saboreiam os lucros como fossem finas iguarias,
Opulência constituída por meios tão desleais.


III

Audazes pilotos seguiram as correntes descendentes,
Se afastando da mãe África rumo a uma obscura messe,
Foram esquadrinhar o quadrante oeste,
Para encontrar uma imensa terra com ilhas adjacentes.

Um alto monte sendo o primeiro sinal.
Pequenas serras e botelhos enriqueciam a costa,
E aves em revoada – a derradeira resposta.
O grandioso êxito da missão de Cabral.

Reunidos os mareantes na proa,
Disse: Bravos portugueses exultem a Coroa!
Sua glória se propaga pelas nações e pelo céu,
Servimos a Dom Manuel!
  
A hábil pena de Caminha descreve a descoberta,
Na metrópole um desumano edito desperta.
Nossa épica história ali se inicia,
A qual uma pungente lágrima propicia.


IV

Décadas se esvaíram velozmente,
Múltiplas etnias geraram uma rara miscigenação,
Veias onde circulam um sangue ardente,
Que dinamizam varões a morrerem pela sonhada libertação.

Expedições desbravam as inóspitas matas,
Minha pátria sendo maculada nas extremidades norte e sul,
Milhares dilacerados à crueza das chibatas,
E o deus dos brancos emudece no inacessível azul.

Insurretos erigem seu mítico estandarte,
Ébanos, indígenas e mestiços que desafiam o cativeiro.
A marcha impávida de um vulgacho guerreiro,
Voz ressentida ecoando por toda parte.

A resistência combate de forma varonil,
Despedaçam lanças e espadas pelos torrões,
Filhos sedentos são trancafiados em porões.
Boas novas adentrem pelos portais do meu Brasil!
  

V

Aportam na Bahia homens pálidos como o luar,
De tribos célticas e germânicas provêm,
Seus feitos extraordinários pelos séculos se mantêm.
A temida potência ultramar.

O maligno dominador afia suas garras,
Canhões estrondam por fatídicos meses,
Lusitanos fartos de soberba apertam as amarras,
Batem retirada os aventureiros holandeses.

Contudo, a aspiração não pode ser esquecida,
Eclode uma nova investida.
Com o auxílio do mameluco Calabar,
Tomam heroicamente Rio Formoso, Capibaribe e Itamaracá.

Instaurado um benéfico governo,
Floresce nas ruas a prosperidade,
Ciência e arte bailam em plena unidade,
A população inspira o eflúvio do hodierno.


VI

Sete anos de inteira refulgência,
Que de modo melancólico perde sua essência,
O venerável príncipe Nassau
Deixa-nos órfãos embarcando numa nau.

Estados antagonistas concebem uma taciturna aliança,
Pisoteando por definitivo o que sobrou da bonança.
Na batalha dos Guararapes fomos desbaratados;
Frondosos canaviais pelo despótico reino são arrestados.
  
Estou neste momento absorto...
Divinais lufadas transformarão este horizonte,
Um áureo sentimento jamais será morto,
Sobre o abismo estenderemos uma robusta ponte.

Levante a face aquele que abdicou do porvir.
Fortalece teu espírito, ó país envolto de excelência!
Porque um tempo de paz eterna há de vir,
Quando nobres rebentos hastearão a signa da independência!




quinta-feira, 7 de julho de 2011

Talião




Jogou um punhado de amendoim na boca, e mastigava com sofreguidão. Naquela roda de taxistas, ele era o mais machista. Dizia que mulher tinha que ser tratada no cabresto, nada deste negócio de direitos iguais. Ia além afirmando que na hora do asseio corporal a roupa deveria estar passada e dobrada dentro do banheiro. E que somente poderia realizar as refeições quando ele estivesse à mesa. Alguns concordavam, outros achavam um exagero. Mas todos eram unânimes – Florisberto tinha um repertório de frases que faria inveja a Gece Valadão. Se o assunto fosse futebol, o clima sempre fervia. E com seu jeito impetuoso, bradava: Tenho mais de cinqüenta anos de praia, e bato no peito – Meu mengão é o melhor time do planeta!
Escarneciam com declarações que seus defeitos eram tantos que preenchiam uma lista maior que a ponte Rio-Niterói. Porém, detinha uma virtude que superava a sarcástica lista – Ele não tremia diante do batente. Rodava com afinco pela madrugada no seu carro, o qual arrancou dele litros de suor até pagar a última parcela. Aquele retirante conhecia bem a rudeza da vida. Habitou na caatinga, onde colhia os cactos para alimentar a criação de cabritos de seu pai.    
Herdara a crença católica, não perdia uma missa de domingo. Trazia no cordão de prata seu santo protetor. Sabia de cor as preces que compunham a cartilha de um bom cristão. Já seus romances eram verdadeiras procissões pelo inferno. Durante muitos anos fora um solteirão convicto, e detestava ouvir o termo casamento. Ninguém conseguia conviver com um indivíduo que só agia de forma imperativa, e que não emanava nenhuma complacência com o sexo oposto. Não admitia seus erros, mantinha-se inflexível: Nasci assim, morro assim.
Mas as coisas mudaram... Atualmente afirmava que encontrou a sorte grande. Morava há seis meses com uma mulher jovial, que ao botar os pés na rua causava frenesi na população masculina do bairro. Os vizinhos boquiabertos tentavam compreender o que um ser de rara beleza tinha visto naquela criatura baixa, barriguda e de cabeça chata. Para os mais chegados respondia cheio de ironia que o segredo do seu sucesso era o “borogodó”, por isso as fêmeas baixavam a guarda.
A história não procedia deste modo, o passado daquela moça das melenas cacheadas acumulava um vasto currículo de perdição. Expulsa de casa após ter engravidado precocemente, fruto de uma relação incestuosa com seu irmão. Perambulou por muitos dias, caindo faminta na porta de um bordel, aonde a acolheram. Decidiu abortar. Conduziram-na a uma clínica, que a cafetina chamava de fazedora de anjos. Na época não atinava para o significado das coisas, seu olhar amedrontado corria pelas paredes úmidas e descascadas do lugar. A puseram em uma maca, e executaram os procedimentos. Fez programas nas principais termas do Rio de Janeiro, adquiriu ascensão meteórica no meio das Escort Girls. Enfrentou muitas situações de risco, como a do cliente que encostou um canivete no seu pescoço por ter recusado engolir seu sêmen. Florisberto a conheceu neste antro de luxúria, e utilizava seus serviços com freqüência. Nestes encontros o fogo da paixão foi nascendo em ambos. Depois de muitos pedidos abandonou a prática do lenocínio, prometendo fidelidade eterna ao seu companheiro.
Aquele homem embrutecido experimentava sensações inimagináveis por meio do sexo tórrido que realizavam diariamente. Dessa forma se tornava impossível negar determinados caprichos da amásia. Entre os colegas de profissão, mentia sem controle para sustentar a fama de durão. Se descobrissem sua nova realidade mergulharia numa desgraça descomunal. Como explicar que a pessoa com quem divide a mesma cama é uma ex-prostituta. Ela pretendia retornar aos estudos, mas desistiu diante de tantas objeções que lhe foram impostas.
Aproveitava a ida de Florisberto para a labuta, e dava suas escapulidas. Num entardecer foi à farmácia comprar um comprimido. A cefaléia martelava sua cabeça. Ao deixar a seção de analgésicos deparou-se com um rapaz de porte físico atlético – Era o segurança da loja. Trocaram olhares ardentes. Um vizinho que estava na fila do caixa registrou a cena. Ela pagou o medicamento, e esbanjando uma doce cadência pouco a pouco ganhou distância. De seus lábios escaparam um sorriso malicioso. Dali em diante visitaria mais vezes aquele local.
As más línguas iniciaram seu processo difamatório. Dona Almerinda, a moradora do sobrado, indagou a Florisberto se a considerável diferença de idade não provocava o temor de uma traição. Rangeu os dentes, e soltou: Só não falo uns palavrões, porque considero demais a senhora! Bateu o portão com extrema violência, e resmungando percorreu a calçada de ladrilho em direção a residência. Na semana seguinte, numa oficina mecânica, envolvidos pelo calor da discussão lançaram a farpa que ele devia ter atenção redobrada com quem estava convivendo. Saiu do estabelecimento espumando ódio, com o dedo em riste exclamava que mataria os participantes daquela fofoca.
As palavras foram germinando morosamente no coração. Ponderava dia e noite a respeito do espectro do adultério. Existiria algum fundamento nestas acusações? Será que haveria a possibilidade de uma recaída? Precisava averiguar os fatos na integra. Começou a seguir os passos daquela que alguns meses atrás se dedicava com exclusividade ao meretrício.
 Fez uma corrida para Tijuca. De lá partiu rumo ao seu endereço. Estacionou o veículo a cem metros de sua casa. Há dias ficava ali em plena vigilância, buscando um movimento estranho que confirmasse suas suspeitas. Nada colocava na berlinda a conduta de sua mulher, contudo a desconfiança ferroava a mente. Ligou o automóvel. Se embrenhou pelas avenidas da cidade para descarregar a tensão.
De manhã vistoriou cada cômodo da casa, procurando provas para incriminá-la. Ela dormia de baby-doll lilás. Sua aparência tranqüila contrastava com a fermentação do delírio que envolvia Florisberto. Foi para o banheiro tomar uma boa ducha. Preferiu emudecer por completo. O ambiente estava pesadíssimo. Gleice anteriormente já havia utilizado trajes eróticos para quebrar o gelo que estava sobre o relacionamento, mas nenhuma técnica rendia um resultado proveitoso.
No horário do almoço não proferiu uma só palavra. A mulher o desconhecia. Devorou a refeição como se estivesse há muitos dias sem tocar num alimento.  Gleice indagou: O que tá acontecendo? Florisberto a fuzilou com o olhar. Mas permaneceu calado.  Levantou e pegou a chave do carro. Gleice insistiu: Já vai trabalhar? Deu as costas para ela, e partiu. Nem um simples beijo. A mulher ficou perplexa. Por que tanta indiferença? - Ponderou. Recolheu os pratos e talheres. As horas iam esvaindo, enquanto debruçava nas atividades domésticas.
Noite fria. Um céu nublado dominava o Méier. Um rapaz alto e forte toca a campainha. Levemente ela descerra a cortina. Era Armindo – o segurança da drogaria. Correu eufórica para atendê-lo. Fazendo charme verbalizou: Seu louco! Que audácia é essa de aparecer no meu portão? Ele logo providenciou sua explicação: Me perdoe, por ter vindo aqui. Mas, estava morrendo de saudade! A mulher retrucou: Foi você que pediu para dar um tempo. Armindo revelou o motivo: Claro, linda! O gerente vivia torrando a minha paciência. Querendo milhares de informações sobre você. Até me ameaçou de mandar embora... Ela emendou: Tá bom?! Me engana que eu gosto!  Bem longe ele acompanhava o desenrolar do acontecimento. Enfim o flagrante tão almejado. Conseguiu o carro emprestado de seu amigo para ninguém perceber sua presença. Abriu o porta-luvas. De dentro dele tirou um revólver calibre 38. O tambor continha seis balas dum-dum. Por causa do elevado índice de assaltos à classe, comprou essa arma para se defender de um possível imprevisto. Pisou fundo no acelerador. Cruzava a alameda numa velocidade impressionante. Relâmpagos riscavam o infinito.
O casal ficou perplexo com a fúria do veículo que subia o meio-fio. Florisberto saltou de arma em punho. Encostando o cano no peito do jovem, esbravejava: Seu viado! Se prepara pra comer a raiz do capim! Armindo gélido disse: O senhor está cometendo um equívoco! A moça inteiramente estática tentou apaziguar os ânimos: Meu amor, posso te esclarecer tudo! Ele tomado de ira respondeu: Cala a boca vadia! Armindo suplicava por clemência. Porém sua atitude não modificou a decisão do homem atormentado pela idéia de infidelidade. Florisberto aplicou a sentença: Vou te mandar pro inferno seu miserável! O disparo produziu um tremendo rombo no tórax. O sangue encharcava a camisa, enquanto o corpo escorregava no muro. Num pranto convulsivo, ela repetia quase em sons indecifráveis: Eu sou fiel! Por favor, não me mate!  Transtornado proferiu as últimas frases: Gleice, como você pode ser tão safada? Realmente quem foi puta, jamais deixará de ser! Apertou o gatilho. O projétil atravessou a caixa craniana. Respingos vermelhos se propagaram pela calçada. Virou as costas para os dois entes que ainda esboçavam ínfimos sinais vitais. Entrou no veículo. A segunda marcha teve um engate preciso. O pneu cantou de modo estridente. Fugiu sem paradeiro definido. A chuva desceu copiosa. O precioso líquido das duas vítimas misturado à água escoava pelo bueiro.                
Uma hora após o desfecho do crime passional, a polícia cercava a área. Dona Almerinda tinha escutado os tiros, e telefonou para o batalhão. Guarda-chuvas travavam inúmeros duelos. A vizinhança queria uma maior aproximação do quadro deplorável dos cadáveres. O repórter de um jornal sensacionalista que colhia os fatos, anotava em seu bloco o título da manchete - Olho por olho, dente por dente.                          
    

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Miguel Couto - Central




Eram quatro horas da madrugada, e ele já estava de pé. Vestiu-se com uma presteza impressionante, porque os ponteiros do despertador não davam moleza. Engoliu o café numa só talagada. Fez o sinal da cruz, pegou a mochila contendo uma marmita amassada e um uniforme desbotado, e saiu em disparada. Precisava de fôlego, pois o percurso de sua casa até o ponto era longo. No dia anterior tinha caído um aguaceiro, a rua estava caótica, parecia um mangue de tanta lama.
 No tempo de eleição é tapinha no ombro, dizem que vão fazer e acontecer. É pura promessa. Depois de eleitos, desaparecem. – Pensava.
Embaixo da marquise que contava os minutos para desabar, outros trabalhadores já se encontravam aglomerados esperando o ônibus, que como de costume teimava em atrasar. Uníssonos reclamavam da passagem e da precariedade do serviço. O pobre homem conhecia bem aquela situação, trabalhava desde adolescente. De lá pra cá as coisas continuavam da mesma forma, sua gente sempre passando por problemas com os meios de transporte.
- O povo tem que protestar, sim. Mas tem que ser no portão da empresa! – Dizia uma moça.
- Tem que botar é fogo nessas porcarias! – Exclamava um rapaz.
Participar daquela Babel de opiniões não adiantaria de nada, queria chegar com a cabeça tranqüila no serviço. Estas manifestações populares somente aumentavam a sua indignação.
O ônibus despontou na curva, as pessoas começaram a ficar amotinadas, suas mentes teciam o seguinte desejo: Quem vai entrar primeiro Sou Eu! O veículo deu uma parada brusca. Uma desordem tomou conta do ambiente, todos queriam invadir o coletivo de uma só vez. A impossibilidade de passarem pela porta obrigava o surgimento de uma fila. Quando deu por si, o cidadão resignado se posicionava no último lugar. Os passageiros adentravam no coletivo com os humores alterados, soltando diversos palavrões.    
- Porra, Motor! O que houve? Essa merda demora tanto, e ainda vem lotada! – Praguejava um balzaquiano.
O motorista permanecia indiferente aquele clima hostil. Segurava firme o volante, seu olhar perdido varava o pára-brisa. O cobrador saiu em defesa da classe: O fiscal demorou pra liberar o carro. Calma pessoal! Abaixo o estresse!
Ele encostou o vale-transporte eletrônico na leitora, que sem a menor cerimônia consumiu os créditos. Comentava com seus botões sobre o absurdo de ter que pagar R$ 3,90. Sua consciência admitia que a distância entre o bairro Miguel Couto e a Central era uma quilometragem enorme, mas as autoridades podiam conceder uma atenção especial aos menos favorecidos tomando medidas mais rigorosas com o valor abusivo das passagens. 
A viagem prosseguiu. Paralelo a condução a deprimente realidade daqueles que desferem murros em ponta de faca para receber no final do mês uns míseros trocados. Na Dutra, indústrias e motéis compõem o cenário do confronto: Tecnologia x Sexo. Além das placas de sinalização e outdoors que despejavam seus conteúdos sobre o intenso fluxo de veículos.  A Avenida Brasil era um retrato fiel de sua convergente, contudo as impressões se revelavam distintas. Alguns ficavam apreensivos devido aos constantes engarrafamentos e acidentes de trânsito, em outros aflorava o medo de uma ”bala perdida” oriunda das guerras provocadas por favelas rivais que cercavam a via. Ele continuava introspectivo, torcendo para que o ônibus chegasse logo ao seu destino. Quanto mais que naquele dia a sorte o tinha agraciado - O Rápido veio na frente, porque se fosse o Parador certamente estaria no meio do caminho.
A única brabeza vinha na hora das paradas, eclodia um tremendo empurra-empurra para alguém conseguir descer. No resto a viagem seguia tranqüila, contemplada pelas criaturas irreverentes que preenchiam o corredor, e pelo pagode que rolava baixinho no rádio de um passageiro que infringia o aviso estampado no teto do veículo.
O desembarque no terminal rodoviário vinha envolto de tensão, um mar humano provindo de várias localidades do Rio de Janeiro inundava as plataformas. Fintou os obstáculos com incrível habilidade. Merecia ganhar uma página no livro dos recordes, na sua idade superar a gigantesca Presidente Vargas e um bom pedaço da Rio Branco em poucos minutos gerava espanto.     
Passou correndo pela portaria do edifício provocando o ar de negação dos seguranças. Como de habitual o elevador estava abarrotado de pessoas, meneou a cabeça para cumprimentar o ascensorista. Nenhuma palavra saiu de seus lábios, contudo o sujeito bonachão esparramado numa cadeira sabia bem o andar pra onde ele iria.
Marcou o cartão no horário cravado – 7.30 da manhã. Suou frio. Estava cansado de levar advertências do chefe. Numa das cabines do W.C. trocou de roupa. Tinha receio de pronunciar estes nomes estrangeiros. Com a vassoura nas mãos e uma lixeira iniciou seu ofício. A Diretoria exigia que o local tivesse uma limpeza impecável, sendo auxiliar de serviços gerais obedecia às ordens a risca.
Varrendo o Departamento Pessoal pode observar dois funcionários visitando o site da Previdência Social, e os comentários que realizavam sobre as mudanças da lei concernente as contribuições para o INSS. Então pensou: - Minha aposentadoria virou sonho. Ralava há 37 anos, porém a carteira tinha 30 anos de assinada. Com as alterações seu projeto havia caído por terra. Neste momento o principal refrigério era fuçar o baú das recordações, e resgatar as imagens da família. Um passado de contentamento. A esposa, seu braço direito por muitas décadas, e o filho com quem gastava os domingos em jogos no Maracanã. As imagens foram interrompidas de modo abrupto pelo fantasma que rondava sua mente. Um ódio descomunal renasceu das cinzas. Acreditava que a vida a escolheu para ser mártir, por isso aplicou essa dura pena – A mulher faleceu jogada às traças na emergência de um hospital público, vítima de complicações pulmonares.
Retornou a realidade. Deslizava o pano sobre a superfície do imenso vidro fume. Uma verdadeira corrida contra o tempo, à sala ampla o obrigava a ser mil e uma utilidades. Essas tarefas rotineiras deixavam seus nervos à flor da pele. Naquele recinto fechado dominava o falatório dos empregados e o barulho das máquinas – Um escritório que operava a todo vapor. Na hora do almoço opunhasse em se reunir com os demais, preferia um lugar ermo. A refeição não recebia nenhum tipo de aquecimento, mantinha uma ojeriza ao fogão coroado de modernidade. No convívio com o recipiente metálico, cada garfada traduzia sua luta pela sobrevivência.
Na segunda etapa foi dar uma arrumação no almoxarifado. Ali era um recanto de paz. Envolto por caixas e materiais de expediente, protegido dos homens. Aproveitou várias vezes o ensejo para tirar um cochilo, afinal ninguém é de ferro. Abriu a carteira, e acariciou a foto de seu menino. Assim o considerava mesmo seu rebento atingindo a maturidade. Oficial da marinha que servia no quartel de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. O coração se enchia de satisfação quando recapitulava a trajetória deste jovem que perdia noites de sono estudando, que se preparava para os concursos num pré-vestibular comunitário. O resultado de tanto esforço foi recompensado. A conta telefônica acabava salgada, mas o filho respondia: - Pai não esquenta a cabeça. Eu envio o dinheiro pro senhor.
O sol se despedia no horizonte. Daquele arranha-céu tinha um completo panorama da cidade. Por segundos questionou a riqueza que dominava a selva de pedra: - Pelo alto tão bela, lá embaixo tão tétrica. Religiosamente guardou sua vestimenta e os utensílios de trabalho. Deixou para trás a lida, e com passos trôpegos tocou na avenida. Mais uma sexta-feira, os bares recebiam uma infinidade de clientes ávidos para afogar suas queixas num copo de cerveja, como também os prostíbulos da redondeza acendiam suas lâmpadas vermelhas para atrair os cidadãos ansiosos por prazer.
Mudou o itinerário. Chegando à Candelária, resolveu sentar no banco da praça. Diante da imponente igreja, ele classificava do seu jeito os ornamentos, tentando assim ressuscitar a fé da infância. Desejava que os pulmões inspirassem o oxigênio da renovação. O cotidiano mecanicista judiava de sua alma. Faltavam-lhe lágrimas para escorrer pelo rosto, as solicitudes da existência sugaram todas.            
Abandonou seu estado de meditação. Partiu de cabisbaixo. Achava impossível escapar das condições impostas pela civilização contemporânea. Esse tal futuro trazia consigo um emaranhado de inquietações. Reconhecia que na próxima semana enfrentaria novamente a Via-Crúcis.


sábado, 2 de julho de 2011

Liberdade antes que seja tarde




No meio da revolução cinematográfica que tomou conta da Europa nos meados dos anos 50 e 60 através do movimento Neo-Realista, existe um filme italiano produzido em 1963 que nunca será esquecido pela comunidade cinéfila, me refiro a “Os companheiros”. A obra de tema sócio-político, do diretor Mario Monicelli, continua sendo extremamente atual quando vemos as notícias que circulam na mídia sobre o descontentamento geral com a política econômica exercida pelas potências européias e ditadores do Oriente Médio, ocasionando violentos embates entre a população e a força militar.
A história se passa num povoado italiano perto de Turim, no final do século XIX. A região vivia no auge do período industrial, onde as relações de trabalho entre empregado e patrão eram improváveis. Não existiam leis trabalhistas que favorecessem a classe operária. A exploração da mão-de-obra não tinha limites, a excessiva carga horária gerava contínuos acidentes, além das péssimas instalações das indústrias e a imperícia destes trabalhadores para lidarem com as máquinas. Neste ambiente caótico padeciam milhares de indivíduos.
O estopim para a revolta destes operários é a mutilação do braço de um funcionário operando uma máquina, que provoca sua invalidez e demissão. A partir daí eles começam a exigir melhores condições de trabalho, e pelos menos a redução de uma hora na jornada diária. Só que suas primeiras tentativas de reivindicação são frustradas devido à inexperiência de seus líderes. Neste período desembarca na cidade o professor Sinigaglia, interpretado por Marcello Mastroianni, que ajudará os moradores locais a se organizarem, os instruindo em suas assembléias, fornecendo possibilidades para lutarem por seus direitos.
O personagem Sinigaglia se torna a representação típica do intelectual engajado: aquele homem que a deixa sua vida cômoda de professor (mesmo sendo procurado pela polícia genovesa por práticas subversivas), da sua vida burguesa (tinha sido abandonado pela esposa, filha de um rico industrial) e abre mão até de sua individualidade, tudo porque é o portador de uma verdade universal. Tem a capacidade de enxergar a contradição que está embutida nas relações sociais. Sua missão, portanto, é propagar e colocar em prática essa verdade, mesmo que para isso precise realizar grandes esforços. Então se coloca a disposição desta massa oprimida, especificamente a classe operária, com o objetivo de difundir esta verdade, propiciando benefícios morais e sociais.
Contudo, os conflitos aumentam e a crença na vitória vai desaparecendo. Nenhum dos métodos utilizados tem um resultado proveitoso. Só que professor permanece inabalável, considerando que está no caminho da justiça e da liberdade. Diante da crescente desconfiança, Sinigaglia toma uma decisão ousada para evitar seu afastamento - faz um discurso exacerbado para a assembléia operária, e convoca a multidão para ocupar a fábrica. Mas o protesto tem um final trágico, que põe a utopia de frente com a realidade - O exército surpreende os manifestantes com tiros, causando a morte de um jovem. Naquele momento os discursos daquele forasteiro caem por terra. Ninguém mais dá crédito ao seu poder de mudar os fatos. Ele é apenas o mensageiro da desgraça; não deve ter seguidores.
A postura revolucionária provoca apenas situações nefastas, o que gera a perda do desejo de luta pela comunidade. A última cena, na qual todos os operários passam pelos portões da fábrica, e depois eles são fechados, demonstra bem o espírito de abatimento que invade a cada cidadão. Prova que estão abdicando de qualquer pensamento de transformação ou luta. Por isso que a obra do gênio Mario Monicelli traz em si uma elaborada crítica ao modelo de engajamento intelectual que estabelece uma tutela aos propósitos da coletividade. O qual dizima a potência da multidão, reverenciando uma hipotética “verdade universal”. Ele serve de alerta para essência do fazer criativo, um mecanismo que opera na multiplicidade, onde os membros da comunidade constroem seu ideal e compartilham seus desejos, onde não há espaço para qualquer influência autoritária, e sim, o interesse do bem coletivo. 


Além do ringue




Ao assistir o filme Punhos de Campeão (The Set-Up, 1949), do diretor Robert Wise, compreendi que a luta estava muito além das cordas que cercavam o ringue. De estilo Noir, a obra trata dos bastidores de um dos esportes mais populares do mundo. Que segundo o crítico literário Francisco Sobreira foi a pioneira em denunciar o gangsterismo no Boxe. 
A trama se concentra nos minutos que antecedem a luta do boxeador Stoker Thompson, interpretado com maestria pelo ator Robert Ryan. Em final de carreira Stoker vê no combate com Tiger Nelson (Hal Baylor) sua chance de consagração. Porém desconhece o ardiloso plano para que ele perca a luta, engendrado pelo seu agente Tiny (George Tobias) com Danny (Edwin Max), capanga do gangster Little Boy (Alan Baxter) que patrocina lutas de boxe no Clube Atlético de Paradise City.  
Tendo um retrospecto negativo nos últimos anos sua esposa Julie (Audrey Totter) o aconselha a desistir do combate. O que proporciona um desentendimento entre o casal no quarto do Hotel Cozy, onde estão hospedados. Stoker é um lutador veterano, nutrido pelo sonho de se despedir dos ringues com glória. Todas as apostas estão direcionadas ao jovem Tiger Nelson, que vem despontando como um futuro campeão de pugilismo. Sendo mais um motivo para Stoker querer derrotar seu oponente.  
Já no vestiário do ginásio a ansiedade e a insegurança vão tomando conta de Stoker ao se deparar com a realidade dos outros pugilistas. Finalmente chega a sua hora. Ele entra no ringue, e tem uma forte decepção quando percebe que a cadeira destinada a sua esposa está vazia. Em vez de ficar desmotivado, aumenta a vontade de mostrar seu valor, partindo para o combate com Tiger Nelson no 1º round.
Os minutos passam. A platéia delira devido aos golpes aplicados por Tiger em Stoker. O jovem lutador se assusta com a resistência dele. Antes de iniciar o 4º round o treinador Red (Percy Helton) e Tiny  pedem para Stoker desistir da luta por causa de sua condição física. Ele descobre o plano. Sua revolta favorece um melhor desempenho nos próximos rounds, o conduzindo a nocautear Tiger Nelson. Pelo volume de dinheiro perdido com o resultado da luta Little Boy ordena que seus capangas dêem uma surra em Stoker, que fica perambulando todo ensangüentado por uma rua mal iluminada. Julie o vê pela janela do quarto, e sai correndo para socorrê-lo. O desfecho melancólico tem o lutador inutilizado para o esporte nos braços de sua esposa.
Mesmo com um baixo orçamento o filme não fica aquém das caríssimas produções hollywoodianas. O roteiro de Art Cohn consegue dialogar de forma primorosa com temas pouco abordados na época: corrupção esportiva e sadismo. O primeiro é bem evidente ao trazer para tela o submundo do boxe representado pelo favorecimento dos lutadores do gangster Little Boy. O segundo tema menciona o espírito de violência que invade os espectadores que assistem a toda sorte de luta. Emblematizado em vários personagens da platéia que se entusiasmam com o derramamento de sangue. E principalmente na figura do cego (John Butler) que ao saber do estado de Stoker Thompson, pede incisivo para o adversário concentrar seus golpes no olho ferido do veterano boxeador.
Outro fator que enaltece o filme, é que o tempo diegético coincide com a duração do drama. Os acontecimentos que constroem a obra são delimitados no curto espaço de 72 minutos. Numa única noite a vida de um boxeador em final de carreira é apresentada ao público. A estrutura da narrativa permite que seus personagens se revelem sem precisar dos recursos de flashback, transições ou elipses, elementos que enfatizam a mudança de tempo. Um trabalho elaborado pela genialidade do autor, a competência do diretor Robert Wise e as mãos hábeis do editor Roland Gross.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A cruz e a espada



Paróquia Nossa Senhora da Conceição - Centro - Nilópolis/RJ

segunda-feira, 9 de maio de 2011

terça-feira, 1 de março de 2011

A beira do lago


Eu e meu amor de mãos dadas pelas ruas de Miguel Pereira. Conversávamos sobre a atmosfera do local, quando nos deparamos com uma dádiva do ecossistema. Diante da placidez daquele lago, fui instigado a fotografar. Um pescador absorto na dança das horas preenchia o espaço. A cena se tornou bálsamo para o entardecer de sábado. 


Niemeyer passou por aqui


Num passeio com minha esposa a lente registra o Museu de Arte Moderna de Niterói, onde somos agraciados pela genialidade de Oscar Niemeyer. 

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nitroglicerina


O personagem está ponderando sobre o tempo que levei sem postar um desenho no blog. Tudo isso aconteceu porque preciso aprimorar o traço, deixá-lo fluir. Estou revendo os meus conceitos. Urge a necessidade de conectar-me às técnicas da Arte Gráfica. 

sábado, 29 de janeiro de 2011

Que essa Maria-Fumaça me leve



Saindo da estação de Bom Despacho nos enveredamos pela estrada de ferro que corta as matas de Grussaí. O sol a pino desenhava a Maria-Fumaça no chão. Nós (eu, esposa e enteada) com os olhos fixos na janela sem permitir que nenhum segundo da viagem passasse desapercebido. Uma inquietação imperava nos vagões. Todos com câmera e filmadora nas mãos para registrar a natureza em estado pleno. No percurso dez estações. Sendo uma a mais esperada. Quando desembarcamos na estação do Sítio do Pica-Pau Amarelo, uma banda nos recepcionou com marchinhas e outras músicas do gênero. Imediatamente me lembrei da famosa composição de Chico Buarque. Os flashes não paravam. No meio desta alegria geral, surgem saltitando Emília, Marquês de Rabicó e Cuca. Os adultos não conseguiram manter o controle - o espírito infantil tomou conta do ambiente.  Nem as crianças estampavam tantos sorrisos. Minha esposa e os demais faziam inúmeras poses ao lado dos personagens de Monteiro Lobato para documentarem este dia ímpar. De repente, soou um estrondosos apito. Era a Maria-Fumaça querendo partir. Nos despedimos da fantasia, e entramos no vagão. Uma tímida saudade palpitava em meu peito ao notar que as Reinações de Narizinho se diluiam com os quilômetros percorridos. Lentamente o gigante centenário parou na plataforma. Quando passei pelo maquinista (uniformizado como outrora), me deparei com aquele que durante décadas conduz milhares de pessoas pelas ferrovias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. E talvez sem saber, tinha o poder de aplacar nossas dores. Eu e minha família nos despedimos do trem que ainda dava baforadas pelo ar, desejando em breve reviver estas horas douradas.   


Um sonho audiovisual



Em julho/2010, entrei pela 1a. vez numa das maiores instituções de cinema do Rio de Janeiro - a Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Ao fazer minha inscrição para o processo seletivo, não pude impedir que a euforia tomasse conta de mim. Estava diante de um antigo sonho, que agora parecia palpável. Depois de realizar todos os procedimentos e ser entrevistado, aguardei ansiosamente o resultado. Por alguns dias fiquei roendo minhas unhas, ou, o que sobrou delas. Mas, tudo acabou bem... Ufa! Estava na lista dos selecionados. O Módulo 1 seria pedreira. Pela frente haveriam aulas com monstros sagrados como  Ruy Guerra (diretor de "Os cafajestes", "Os fuzis", "Ópera do malandro", "Estorvo", etc.) e Flávio Tambellini (produtor de "Mutum", "Eu, tu e eles", "Carandiru", "Cazuza", etc.). Sem contar com outros renomados professores: Ivair Coelho (Filosofia), Sérgio Almeida (Literatura), Thaís Blank e Mariana Sussekind (Teoria e Prática de Montagem). As dificuldades surgiram. Voava do serviço às 17:30h na Baixada Fluminense, especificamente Nilópolis, e encarava 50 minutos de trem abarrotado de passageiros até a Central do Brasil. Precisava estar em sala de aula às 18h. Loucura pura!  Não vou mentir, nestes cinco meses de curso muitas vezes meu corpo pedia clemência. A cabeça pirava de tanto conteúdo. A estafa começou a bater na minha porta. Consumi diversas caixas de complexo vitamínico para aguentar a maratona. Nossas escolhas geram responsabilidades, só que retroceder jamais. Mesmo vascilante, mantive minha jornada. Nesta Meca audiovisual tive o privilégio de conhecer estudantes dos mais variados estados e nacionalidades. Amadureci com esta convivência. Pude experimentar a multiplicidade de saberes. Sair do casulo sempre é proveitoso. Analisando os prós e os contras deste ano letivo, posso considerar que meu rendimento ficou dentro da média. Que venha o próximo módulo.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A paz



Na segunda semana de Janeiro de 2011, viajei com minha esposa e enteada para o município de São João da Barra/RJ. Ficamos hospedados no SESC-Grussaí. Passeamos pela circunvizinhança, locais impregnados do ar interiorano. Neste ímpeto "desbravador", conhecemos a paradisíaca praia de Atafona. Onde o mar e o rio Paraíba do Sul se encontram. Um fenômeno da Mãe Natureza que resulta em águas escuras e fortes ondas, as quais os surfistas rasgam através de suas manobras radicais e os barcos de pesca singram numa busca contínua pelo cardume. A caminhada pela areia vai deixando nossas pegadas no litoral. Neste raro momento a origem urbana se distancia de nós, e a paz se torna mais presente.