quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O poeta de versos atômicos


No estúdio montado em casa produziu sua discografia, os três CDs: Nêutrons - partícula n. 1 (2011), Figuras de linguagem (2011) e Impune (2013). Com voz grave e inconfundível, o rapper Átomo U-Sal propaga sua ideologia denunciando a banalização da fé, o consumismo, a política nefasta e outros temas inerentes a sociedade brasileira. Este poeta urbano de versos atômicos é o nosso entrevistado desta semana.


        

Alessandro Swinerd: Quando despertou seu interesse pelo Hip-Hop?
Átomo U-Sal: Por volta de 1996, através dos Racionais MC’s.

AS: E como percebeu a possibilidade de se tornar letrista e rapper?
AU: Antes mesmo de escrever letras de rap, eu já fazia outras influenciadas por bandas de rock dos anos 80, como Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii e Barão Vermelho.

AS: Pode me explicar esta concentração de rappers em Nova Iguaçu. Principalmente no bairro Morro Agudo?
AU: É algo que aconteceu de modo natural, já que ninguém se conhecia. O agente (U-Sal) começou na MAB (Movimento das Associações de Bairro) em Nova Iguaçu, e foi lá que conheci o Dudu de Morro Agudo, depois Fator Baixada e Léo da XIII, aí juntamos força na nossa área, aí vieram os outros.

AS: Suas músicas primam pelas questões sociais, mas em algumas há uma visão irônica dos fatos – inserções de uma risada com tom ácido. Por quê?
AU: Eu escrevo de acordo com o projeto que estou realizando no momento, uns tem um abordagem mais séria, outras mais descontraídas, como no caso do CD “Impune”, mas nem por isso menos sérias.

AS: Qual o motivo da constante referência à mula falante do profeta Balaão?
AU: A mula falante é do “Impune”, o das risadas ácidas. É um dos meus alter-egos, no primeiro disco “... Dando o Ar Da graça”, eu falo principalmente da corrupção e legalismo dentro do sistema religioso. Tendo como base a graça de Deus, que lança por terra todo o peso da acusação.

AS: Você sofre algum preconceito no movimento Hip-Hop por crer na doutrina do Cristianismo?
AU: Não. Dentro do Hip-Hop há a questão de respeitar o discurso alheio, ainda que não concorde com ele. Além do mais, eu não uso o termo “gospel” que em minha opinião, só serve para fazer comércio e separação dos demais. Ninguém diz que faz rap candomblé, rap católico etc. Eu faço rap simplesmente, a mensagem cristã é natural.

AS: Todos seus trabalhos são independentes? Como realiza o processo de produção, distribuição e divulgação dos CDs?
AU: Sim, todos são independentes. Produzidos, gravados, mixados e masterizados na minha casa, com algumas pequenas exceções. A questão da distribuição e divulgação é sempre gratuita, pela internet, e também através do material físico nos eventos.

AS: A distância dos grandes centros artísticos inibe a visibilidade das manifestações culturais que estão ocorrendo na periferia?
AU: Acredito que sim, mas eu não me importo com isso, eu faço meu trabalho simplesmente. Eu não me preocupo com o público, a crítica etc. Sou muito cru pra pensar em jogadas de marketing, pra romper essa distância.

AS: Sendo um dos representantes da cultura negra na Baixada Fluminense, que medidas devem ser tomadas pelo governo municipal e estadual para restituir estas décadas de descaso com os afrodescendentes?
AU: Sou favorável às políticas públicas de auto-afirmação, principalmente pelo fato de achar que isso funciona como uma indenização pelos séculos de trabalho não remunerado. Algumas coisas estão melhorando, mais acho que ainda falta muito para termos uma posição melhor. No meu caso, eu não espero pelo governo e nem pelas organizações negras, diariamente eu milito no trabalho, em casa e na rua.



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Átomo U-Sal (blog)


*Entrevista realizada para a Rádio Atitude.