sábado, 2 de julho de 2011

Além do ringue




Ao assistir o filme Punhos de Campeão (The Set-Up, 1949), do diretor Robert Wise, compreendi que a luta estava muito além das cordas que cercavam o ringue. De estilo Noir, a obra trata dos bastidores de um dos esportes mais populares do mundo. Que segundo o crítico literário Francisco Sobreira foi a pioneira em denunciar o gangsterismo no Boxe. 
A trama se concentra nos minutos que antecedem a luta do boxeador Stoker Thompson, interpretado com maestria pelo ator Robert Ryan. Em final de carreira Stoker vê no combate com Tiger Nelson (Hal Baylor) sua chance de consagração. Porém desconhece o ardiloso plano para que ele perca a luta, engendrado pelo seu agente Tiny (George Tobias) com Danny (Edwin Max), capanga do gangster Little Boy (Alan Baxter) que patrocina lutas de boxe no Clube Atlético de Paradise City.  
Tendo um retrospecto negativo nos últimos anos sua esposa Julie (Audrey Totter) o aconselha a desistir do combate. O que proporciona um desentendimento entre o casal no quarto do Hotel Cozy, onde estão hospedados. Stoker é um lutador veterano, nutrido pelo sonho de se despedir dos ringues com glória. Todas as apostas estão direcionadas ao jovem Tiger Nelson, que vem despontando como um futuro campeão de pugilismo. Sendo mais um motivo para Stoker querer derrotar seu oponente.  
Já no vestiário do ginásio a ansiedade e a insegurança vão tomando conta de Stoker ao se deparar com a realidade dos outros pugilistas. Finalmente chega a sua hora. Ele entra no ringue, e tem uma forte decepção quando percebe que a cadeira destinada a sua esposa está vazia. Em vez de ficar desmotivado, aumenta a vontade de mostrar seu valor, partindo para o combate com Tiger Nelson no 1º round.
Os minutos passam. A platéia delira devido aos golpes aplicados por Tiger em Stoker. O jovem lutador se assusta com a resistência dele. Antes de iniciar o 4º round o treinador Red (Percy Helton) e Tiny  pedem para Stoker desistir da luta por causa de sua condição física. Ele descobre o plano. Sua revolta favorece um melhor desempenho nos próximos rounds, o conduzindo a nocautear Tiger Nelson. Pelo volume de dinheiro perdido com o resultado da luta Little Boy ordena que seus capangas dêem uma surra em Stoker, que fica perambulando todo ensangüentado por uma rua mal iluminada. Julie o vê pela janela do quarto, e sai correndo para socorrê-lo. O desfecho melancólico tem o lutador inutilizado para o esporte nos braços de sua esposa.
Mesmo com um baixo orçamento o filme não fica aquém das caríssimas produções hollywoodianas. O roteiro de Art Cohn consegue dialogar de forma primorosa com temas pouco abordados na época: corrupção esportiva e sadismo. O primeiro é bem evidente ao trazer para tela o submundo do boxe representado pelo favorecimento dos lutadores do gangster Little Boy. O segundo tema menciona o espírito de violência que invade os espectadores que assistem a toda sorte de luta. Emblematizado em vários personagens da platéia que se entusiasmam com o derramamento de sangue. E principalmente na figura do cego (John Butler) que ao saber do estado de Stoker Thompson, pede incisivo para o adversário concentrar seus golpes no olho ferido do veterano boxeador.
Outro fator que enaltece o filme, é que o tempo diegético coincide com a duração do drama. Os acontecimentos que constroem a obra são delimitados no curto espaço de 72 minutos. Numa única noite a vida de um boxeador em final de carreira é apresentada ao público. A estrutura da narrativa permite que seus personagens se revelem sem precisar dos recursos de flashback, transições ou elipses, elementos que enfatizam a mudança de tempo. Um trabalho elaborado pela genialidade do autor, a competência do diretor Robert Wise e as mãos hábeis do editor Roland Gross.