sábado, 2 de julho de 2011

Liberdade antes que seja tarde




No meio da revolução cinematográfica que tomou conta da Europa nos meados dos anos 50 e 60 através do movimento Neo-Realista, existe um filme italiano produzido em 1963 que nunca será esquecido pela comunidade cinéfila, me refiro a “Os companheiros”. A obra de tema sócio-político, do diretor Mario Monicelli, continua sendo extremamente atual quando vemos as notícias que circulam na mídia sobre o descontentamento geral com a política econômica exercida pelas potências européias e ditadores do Oriente Médio, ocasionando violentos embates entre a população e a força militar.
A história se passa num povoado italiano perto de Turim, no final do século XIX. A região vivia no auge do período industrial, onde as relações de trabalho entre empregado e patrão eram improváveis. Não existiam leis trabalhistas que favorecessem a classe operária. A exploração da mão-de-obra não tinha limites, a excessiva carga horária gerava contínuos acidentes, além das péssimas instalações das indústrias e a imperícia destes trabalhadores para lidarem com as máquinas. Neste ambiente caótico padeciam milhares de indivíduos.
O estopim para a revolta destes operários é a mutilação do braço de um funcionário operando uma máquina, que provoca sua invalidez e demissão. A partir daí eles começam a exigir melhores condições de trabalho, e pelos menos a redução de uma hora na jornada diária. Só que suas primeiras tentativas de reivindicação são frustradas devido à inexperiência de seus líderes. Neste período desembarca na cidade o professor Sinigaglia, interpretado por Marcello Mastroianni, que ajudará os moradores locais a se organizarem, os instruindo em suas assembléias, fornecendo possibilidades para lutarem por seus direitos.
O personagem Sinigaglia se torna a representação típica do intelectual engajado: aquele homem que a deixa sua vida cômoda de professor (mesmo sendo procurado pela polícia genovesa por práticas subversivas), da sua vida burguesa (tinha sido abandonado pela esposa, filha de um rico industrial) e abre mão até de sua individualidade, tudo porque é o portador de uma verdade universal. Tem a capacidade de enxergar a contradição que está embutida nas relações sociais. Sua missão, portanto, é propagar e colocar em prática essa verdade, mesmo que para isso precise realizar grandes esforços. Então se coloca a disposição desta massa oprimida, especificamente a classe operária, com o objetivo de difundir esta verdade, propiciando benefícios morais e sociais.
Contudo, os conflitos aumentam e a crença na vitória vai desaparecendo. Nenhum dos métodos utilizados tem um resultado proveitoso. Só que professor permanece inabalável, considerando que está no caminho da justiça e da liberdade. Diante da crescente desconfiança, Sinigaglia toma uma decisão ousada para evitar seu afastamento - faz um discurso exacerbado para a assembléia operária, e convoca a multidão para ocupar a fábrica. Mas o protesto tem um final trágico, que põe a utopia de frente com a realidade - O exército surpreende os manifestantes com tiros, causando a morte de um jovem. Naquele momento os discursos daquele forasteiro caem por terra. Ninguém mais dá crédito ao seu poder de mudar os fatos. Ele é apenas o mensageiro da desgraça; não deve ter seguidores.
A postura revolucionária provoca apenas situações nefastas, o que gera a perda do desejo de luta pela comunidade. A última cena, na qual todos os operários passam pelos portões da fábrica, e depois eles são fechados, demonstra bem o espírito de abatimento que invade a cada cidadão. Prova que estão abdicando de qualquer pensamento de transformação ou luta. Por isso que a obra do gênio Mario Monicelli traz em si uma elaborada crítica ao modelo de engajamento intelectual que estabelece uma tutela aos propósitos da coletividade. O qual dizima a potência da multidão, reverenciando uma hipotética “verdade universal”. Ele serve de alerta para essência do fazer criativo, um mecanismo que opera na multiplicidade, onde os membros da comunidade constroem seu ideal e compartilham seus desejos, onde não há espaço para qualquer influência autoritária, e sim, o interesse do bem coletivo.